NINGUÉM conseguiu entender isso

mas eu vou te contar

E aí, pessoal, tudo tranquilo?

Você já explicou alguma coisa pra alguém e depois percebeu que a pessoa não entendeu absolutamente nada?

Nada…

Isso tem ficado cada vez mais frequente. E o pior é que a culpa não é exclusivamente do ouvinte.

Pouco a pouco estamos perdendo a capacidade de entender, de falar e até mesmo de pensar.

Um dia desses eu estava lendo alguns poemas de Cecília Meireles e me dei conta de que existia algo a mais naquelas palavras. Corri para o google para pedir aquela força na interpretação. Foi este o momento em que percebi que ninguém entendeu este poema.

Hoje eu quero compartilhar com vocês essa interpretação de "O Violão e o Vilão", de Cecília Meirelles, que me deixou de queixo caído. É aquele tipo de texto que parece simples à primeira vista, mas esconde uma profundidade e complexidade surpreendentes.

Dá uma olhada:

O Violão e o Vilão

Havia a viola da vila,
a viola e o violão. 

Do vilão era a viola,
e da Olívia o violão.

O violão da Olívia dava
vida à vila, à vila dela. 

O violão duvidava
da vida, da viola e dela.

Não vive Olívia na vila,
na vila nem na viola. 

O vilão levou-lhe a vida,
levando o violão dela.

No vale, a vila de Olívia
vela a vida
no seu violão vivida
e por um vilão levada.

Vida de Olívia − levada
por um violão violento.
Violeta violada
pela viola do vento.

Leia o poema com atenção e reflita sobre o que ele pode significar. Quais são as suas impressões? O que te chama a atenção?

Muita gente usa esse poema para ajudar as crianças que estão aprendendo a ler. Isso porque nele acontece um jogo muito interessante com o som da letra V.

Aliás, a própria Cecília Meireles explorou essa sonoridade e musicalidade em sua obra-prima da literatura infantil, "Ou Isto ou Aquilo".

Nesse livro, a poetisa nos brinda com versos lúdicos e cheios de ritmo, convidando os pequenos leitores a embarcarem em um mundo de fantasia e descobertas, onde a linguagem se transforma em brincadeira e aprendizado. Através de perguntas instigantes e comparações inusitadas, Cecília Meireles estimula a imaginação e a curiosidade, mostrando que a poesia pode ser uma deliciosa aventura para todas as idades.

Voltando ao poema selecionado: Temos personagens, as rimas estão presentes, existe uma história.

Muitas pessoas se contentam com isso e…fim.

Eu não.

Vou te dar mais uma chance: Leia com um pouco mais de atenção:

Na minha interpretação, o poema fala sobre a perda da inocência e da esperança.

Como eu cheguei nisso?

O violão é, na verdade, a representação da infância e da perda da inocência, enquanto o vilão é uma forma de se aludir ao tempo.

Olívia, a dona do violão, pode ser vista como a sabedoria da infância, que é levada pelo tempo implacável.

As crianças crescem e deixam de se encantar com a chuva caindo, com qualquer besourinho que passa, ou com as conversas com os pais. As crianças têm uma resposta pronta para absolutamente tudo. 

Para onde vai esta sabedoria? 

O poema vai além disso. A repetição da palavra "vila" sugere que a perda de Olívia não é apenas individual, mas também coletiva. A vila, que antes tinha vida graças ao violão de Olívia, agora vela sua vida no vale, que é uma imagem para representar a despedida e a saudade da infância perdida.

A vida, aliás, não é o que parece.

A palavra "vida" no poema é um elemento chave para a sua interpretação. O violão, representando a infância, dava "vida" à vila, ou seja, dava alegria, vitalidade e esperança. Mas quando o vilão (o tempo) leva o violão, leva também a vida, deixando apenas a tristeza e a melancolia. 

O que a "vida" significa para você?

E o que dizer da palavra "violeta"? Seria apenas uma referência à cor da tristeza e da melancolia, ou representaria a própria Olívia, delicada e frágil como uma flor?

Cada palavra do poema de Cecília Meireles abre uma infinidade de interpretações possíveis. E a compatibilidade entre todas essas representações vai trazendo maior força para que enxerguemos o poema de uma forma única.

No Brasil de hoje, poucos conseguem entender minimamente um poema, já que somos confrontados com uma realidade alarmante: 

  • a dificuldade de compreensão, 

  • a incapacidade de interpretar e 

  • a superficialidade do pensamento. 

Vivemos uma crise semântica, onde as palavras parecem perder seu significado e a leitura se torna um mero exercício de decodificação, sem a devida apreensão do sentido.

O analfabetismo funcional, que assola uma parcela significativa da população, é um dos sintomas mais evidentes dessa crise. Pessoas que, apesar de saberem ler e escrever, não conseguem compreender textos mais complexos, interpretar informações ou estabelecer relações entre diferentes ideias. A leitura se torna um ato mecânico, vazio de significado.

Essa incapacidade de interpretar não se limita apenas aos textos escritos. Ela se manifesta também na dificuldade de compreender discursos, notícias, piadas e até mesmo as entrelinhas das conversas cotidianas. A falta de profundidade na leitura e na compreensão do mundo nos torna vulneráveis à manipulação, à desinformação e à alienação.

Grandes pensadores, como Confúcio, já alertavam sobre a importância da leitura e da interpretação para o desenvolvimento humano. 

"Aprender sem pensar é inútil. Pensar sem aprender é perigoso", 

dizia o filósofo chinês. A leitura, quando feita de forma crítica e reflexiva, nos permite aprender com as experiências e os conhecimentos de outras pessoas, ampliar nossa visão de mundo e desenvolver nosso pensamento crítico.

Em um mundo cada vez mais inundado por informações, a capacidade de interpretar e compreender se torna ainda mais crucial. Precisamos ser capazes de filtrar o que é relevante, identificar fake news, questionar discursos e formar nossas próprias opiniões. A leitura, nesse sentido, é uma ferramenta poderosa de empoderamento e transformação.

Mas como podemos fortalecer essa capacidade tão essencial? 

Como podemos sair da superficialidade e mergulhar nas profundezas do significado? 

A resposta está na busca constante pelo conhecimento, na curiosidade insaciável e no hábito da leitura crítica e reflexiva.

Busque alternativas para fortalecer sua capacidade de interpretação:

  • Leia com atenção: Dedique tempo e concentração à leitura, buscando compreender o sentido profundo das palavras e das ideias.

  • Questione: Não aceite tudo o que lê como verdade absoluta. Questione, investigue, busque diferentes fontes e perspectivas.

  • Dialogue: Converse com outras pessoas sobre o que você leu, troque ideias, debata diferentes interpretações.

  • Escreva: A escrita é uma forma poderosa de organizar o pensamento e aprofundar a compreensão. Escreva resenhas, ensaios, reflexões sobre o que você lê.

  • Explore diferentes gêneros: Leia não apenas livros, mas também artigos, poemas, peças de teatro, letras de música. A diversidade de gêneros literários enriquece a experiência da leitura e expande os horizontes do pensamento.

Lembre-se: a leitura é uma jornada, não um destino. Cada texto, cada palavra, cada ideia nos convida a uma aventura de descobertas e aprendizados. Abrace essa jornada e permita que a leitura transforme sua vida.

E você, o que está esperando para mergulhar nesse universo de significados?

Comece com “O Violão e o Vilão”. São muitas perguntas e interpretações possíveis. Tem uma mulher no YouTube que enxergou um caso de violência sexual no poema.

É possível.

Leia e encontre a sua versão do poema. Tenho certeza que você vai se surpreender com a riqueza e a complexidade desse poema.

Eu te convido a encarar de frente essa falta da capacidade de interpretar e de compreender os textos e a vida.

Avalie o conteúdo da nossa newsletter e deixe nos comentários qual foi a sua visão do poema. Estou ansioso para ler a sua ideia.

Quem assina o correísmo não vai ficar pra trás.

Um abraço, 

Eumismo.