Luzes de Natal

Para Dentro ou Para Fora?

Outro dia resolvi fazer aquele passeio que era tradição na minha infância: sair pela cidade procurando casas decoradas para o Natal. 

Lembro como se fosse ontem - eu, meus irmãos e meus pais no carro, cada um apontando para uma direção diferente ao avistar luzes coloridas no horizonte. 

Tínhamos até um ranking informal: 

  • a casa mais iluminada, 

  • a mais criativa, 

  • a mais "preguiçosa" (aquela que só colocava uma guirlanda na porta).

Era uma aventura e tanto. As ruas se transformavam em galerias de arte a céu aberto, cada casa competindo para ver quem conseguia arrancar mais "uaus" das crianças que passavam. 

Papai Noel escalando a parede, renas no telhado, presépio no jardim - era um verdadeiro espetáculo de luz e cor que transformava noites comuns em momentos mágicos.

Mas algo mudou. 

No meu recente passeio nostálgico, as ruas estavam... diferentes. 

Escuras. Vazias de magia. 

Aqui e ali, algumas luzinhas tímidas escapavam por entre as cortinas, denunciando que sim, havia decoração natalina - mas estava toda voltada para dentro.

O primeiro pensamento que me ocorreu foi: "Bom, os tempos mudaram, a violência aumentou, é compreensível que as pessoas queiram proteger seus enfeites de Natal." 

Mas será que é só isso? 

Quanto mais eu pensava sobre essas "luzes voltadas para dentro", mais elas pareciam uma metáfora perfeita para algo maior que está acontecendo em nossa sociedade.

Lembro que, quando eu era criança, se eu estivesse prestes a fazer alguma besteira na rua, qualquer adulto se sentia no direito (e até no dever) de me repreender. 

"Menino, desce daí que você vai se machucar!" 

"Mocinha, não é apropriado falar assim!" 

Eram frases que podíamos ouvir de completos desconhecidos. 

Hoje, se alguém ousar dar um conselho para uma criança que não é sua, é capaz de enfrentar a fúria dos pais nas redes sociais.

"Cada um cuida do seu" virou o mantra da nossa geração. 

Vemos um idoso com dificuldade para atravessar a rua e desviamos o olhar - afinal, não queremos nos meter onde não fomos chamados. 

Ouvimos o vizinho discutindo e aumentamos o volume da TV - problema dele, não nosso. 

É respeito à privacidade ou simples indiferença?

E aqui chegamos ao cerne da questão: a diferença entre amor e egoísmo. 

O amor é como aquelas antigas decorações natalinas - ele se projeta para fora, ilumina o caminho dos outros, torna o mundo um lugar mais bonito para todos. 

Já o egoísmo é como nossas modernas decorações internas - preocupa-se apenas com o próprio espaço, com o próprio conforto, com a própria satisfação.

O amor é expansivo por natureza. Ele transborda, ultrapassa fronteiras, invade espaços. É impossível amar verdadeiramente e manter esse amor contido em quatro paredes. 

O egoísmo, por outro lado, é contrativo - ele puxa tudo para dentro, fecha portas, ergue muros.

Para entender melhor essa dualidade entre amor e egoísmo que tanto marca nossa época, precisamos mergulhar um pouco mais fundo na história dessas duas forças que moldam o comportamento humano desde sempre.

Os antigos gregos, em sua sabedoria, não tinham apenas uma palavra para amor - tinham várias. 

  • Eros, o amor passional e romântico. 

  • Philia, o amor entre amigos. 

  • Storge, o amor familiar. 

  • Ágape, o amor incondicional e universal. 

Cada tipo de amor com suas características próprias, suas virtudes e seus desafios. Mas havia algo em comum entre todos eles: a capacidade de transcender o eu, de criar pontes entre as pessoas.

O amor ágape, em particular, era visto como a forma mais elevada de amor, justamente por ser a mais desprendida de todas. 

É curioso notar que este mesmo conceito foi posteriormente absorvido pelo cristianismo, que o elevou a um patamar ainda mais alto: "Deus é amor", diz o apóstolo João. Não "Deus tem amor" ou "Deus ama", mas "Deus é amor" - como se amor fosse a própria essência do divino.

E quando falamos de egoísmo? 

Bem, os gregos também tinham muito a dizer sobre isso. 

O mito de Narciso, por exemplo, não é apenas uma história sobre vaidade - é um alerta sobre os perigos do amor voltado exclusivamente para si mesmo. Narciso não morreu apenas por se achar bonito; ele morreu porque foi incapaz de amar qualquer coisa além de seu próprio reflexo.

A filosofia grega nos apresenta ainda o conceito de "pleonexia" - o desejo insaciável de ter mais, sempre mais, independentemente das necessidades dos outros. É interessante notar como esse conceito antigo descreve perfeitamente muito do que vemos hoje em nossa sociedade de consumo.

Do ponto de vista da biologia evolutiva, tanto o amor quanto o egoísmo têm suas raízes em nossos mecanismos mais básicos de sobrevivência. 

O egoísmo, em sua forma mais primitiva, garantiu que nossos ancestrais lutassem por recursos escassos e sobrevivessem para passar seus genes adiante. 

Já o amor, especialmente em suas manifestações de cuidado parental e cooperação grupal, foi igualmente crucial para nossa sobrevivência como espécie.

Os neurocientistas descobriram que quando praticamos atos de amor e altruísmo, nosso cérebro libera oxitocina, o mesmo hormônio liberado quando mães amamentam seus bebês. 

É como se a natureza tivesse instalado em nós um sistema de recompensa para o comportamento altruísta, sugerindo que, talvez, não sejamos tão naturalmente egoístas quanto pensamos.

A psicologia moderna tem muito a nos dizer sobre esse embate entre amor e egoísmo. Sigmund Freud via o ego como central em nossa psique, mas também reconhecia que a civilização só é possível quando conseguimos equilibrar nossos desejos individuais com as necessidades da comunidade. 

Carl Jung foi além, sugerindo que o verdadeiro processo de individuação - de tornar-se quem realmente somos - passa necessariamente pela conexão com o outro, com o coletivo.

Estudos contemporâneos em psicologia positiva mostram que pessoas que praticam regularmente atos de bondade e altruísmo tendem a ser mais felizes e ter uma maior sensação de propósito na vida. 

É como se, paradoxalmente, quanto mais nos voltamos para fora, mais preenchidos nos sentimos por dentro.

Na tradição judaico-cristã, encontramos uma das mais belas definições de amor na primeira carta aos Coríntios: "O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor." Note como cada característica do amor é definida em oposição ao egoísmo.

E não é fascinante que praticamente todas as grandes tradições religiosas e filosóficas do mundo tenham chegado a conclusões semelhantes sobre a natureza do amor? 

O budismo fala em compaixão universal. 

O islamismo enfatiza a caridade e a misericórdia. 

O hinduísmo nos apresenta o conceito de "karma yoga" - o caminho da ação desinteressada.

Mas então, se todas essas tradições ancestrais já nos alertavam sobre os perigos do egoísmo e nos incentivavam ao amor, por que parece que estamos caminhando na direção oposta?

Talvez a resposta esteja justamente em como nossa sociedade moderna está estruturada. 

Vivemos em uma época que celebra o individualismo extremo, que confunde autorealização com autossuficiência, que transformou "cuidar de si" em desculpa para ignorar o outro.

As redes sociais, embora prometam nos conectar, muitas vezes acabam alimentando nosso narcisismo. 

Quantas vezes postamos algo não para compartilhar, mas para receber validação? Quantas vezes nossa preocupação com a própria imagem nos impede de estender a mão a quem precisa?

E o consumismo? Ah, o consumismo... Ele se tornou tão central em nossas vidas que até mesmo o Natal, festa que celebra o nascimento daquele que nada possuía, virou uma orgia de compras e presentes. 

As luzes que deveriam simbolizar a estrela que guiou os reis magos agora servem apenas para decorar nossos espaços privados.

O Natal deveria ser a celebração máxima do amor que se projeta para fora! Afinal, celebramos o nascimento daquele que ensinou que o amor verdadeiro é doação, é sacrifício, é pensar no outro antes de si mesmo. 

Mas o que temos visto? Famílias reunidas sob o mesmo teto, cada uma em seu próprio mundo digital. 

Jovens contando os minutos para acabar a ceia e encontrar os amigos. Crianças mais interessadas nos presentes do que na presença.

Aquelas casas decoradas para dentro me fazem pensar: 

será que não é hora de reacender nossas luzes externas? 

Não falo apenas das luzinhas de Natal, mas daquela luz interior que nos faz enxergar além de nós mesmos, que nos faz perceber que fazemos parte de algo maior, que nos conecta uns aos outros.

O verdadeiro espírito natalino não está nos presentes caros ou nas decorações elaboradas - está na capacidade de iluminar o caminho dos outros, de tornar o mundo um lugar mais acolhedor para todos, não apenas para nós mesmos e nossos familiares mais próximos.

Neste Natal, que tal um exercício? 

Vamos tentar direcionar nossas luzes para fora. Pode ser literalmente, enfeitando a frente da nossa casa para alegrar quem passa, ou metaforicamente, através de pequenos gestos de bondade: um sorriso para o porteiro, uma ajuda para carregar as compras do vizinho idoso, um presente para aquela criança que você sabe que não vai ganhar nada.

Porque no final das contas, assim como aquelas antigas decorações natalinas, o amor só faz sentido quando compartilhado. 

Ele precisa ser visto, sentido, experimentado por outros. Precisa iluminar não apenas nossa sala de estar, mas as ruas, as praças, a cidade inteira.

Que neste Natal possamos reaprender a apontar nossas luzes para fora. Que possamos redescobrir a alegria de tornar o mundo um lugar mais bonito não apenas para nós, mas para todos.

Um Feliz Natal, iluminado e expansivo para todos nós!

Eumismo