• Correísmo
  • Posts
  • Da Fogueira à Inteligência Artificial

Da Fogueira à Inteligência Artificial

Comunicação Humana em foco

"Sorry, I don't speak Portuguese." 

"Lo siento, no hablo portugués." 

"申し訳ありませんが、ポルトガル語を話せません。"

Se você já passou pela frustração de não conseguir se comunicar em outro idioma, sabe exatamente do que estou falando. 

Num mundo cada vez mais conectado, onde uma reunião de trabalho pode facilmente juntar pessoas de três continentes diferentes, dominar apenas sua língua materna já não é mais suficiente.

Mas não é só de idiomas que vive a comunicação moderna. 

Você sabia que, em uma apresentação, apenas 7% do impacto da sua mensagem vem das palavras que você usa? Os outros 93% são divididos entre sua linguagem corporal e o tom da sua voz. 

É por isso que aquela reunião online às vezes parece tão... estranha. 

Com a câmera desligada e o microfone no mudo, perdemos grande parte das nuances que tornam a comunicação humana tão rica.

E por falar em comunicação online, já reparou como mudou a forma de nos expressarmos nas redes sociais? 

Se há dez anos um "bom dia" bastava, hoje precisamos dominar a arte dos emojis, dos memes, dos reels, dos stories. É como se cada plataforma tivesse desenvolvido seu próprio dialeto. Um emoji fora de contexto ou um meme usado incorretamente pode gerar aquele constrangimento digital que todos queremos evitar.

Mais do que nunca, saber se comunicar virou questão de sobrevivência profissional. Não basta ser bom tecnicamente - você precisa saber vender suas ideias, criar conexões, construir sua marca pessoal. 

Em um mercado onde a automação avança rapidamente, as habilidades de comunicação são justamente aquelas que os robôs ainda não conseguem replicar completamente.

E não pense que isso vale só para quem trabalha com marketing ou vendas. 

Até aquele desenvolvedor introvertido que passa o dia programando precisa saber se comunicar com clareza. Afinal, de que adianta criar o código mais elegante do mundo se você não consegue explicar para o cliente por que ele precisa daquela solução?

Toda essa complexidade da comunicação moderna às vezes me faz pensar: será que sempre foi assim? Como chegamos até aqui? E para entender nosso presente comunicativo, nada melhor do que fazer uma viagem ao passado...

Hoje vamos fazer uma viagem fascinante pela história da comunicação humana. E não, não é apenas mais um texto sobre tecnologia - embora ela faça parte da história. É sobre como nós, seres intrinsecamente sociais, encontramos formas cada vez mais criativas de compartilhar ideias, sentimentos e histórias ao longo dos milênios.

Sabe aquela sensação de solidão que às vezes bate quando ficamos muito tempo sem conversar com alguém? 

Pois é, isso não é coincidência. A comunicação está tão entranhada em nossa natureza que sua ausência pode literalmente nos adoecer. 

E não é de hoje, mas desde que nós nos entendemos como espécie, buscamos formas de nos conectar.

Imagine-se na Grécia Antiga, por volta de 800 a.C., sentado ao redor de uma fogueira, ouvindo um aedo, ou poeta, narrar as aventuras de Odisseu. 

Não havia Netflix, não havia livros, não havia Instagram. 

O conhecimento, a cultura e as tradições eram transmitidos através dessas narrativas orais. Os aedos eram verdadeiros guardiões da memória coletiva, mantendo viva a história de seu povo através do poder da palavra falada.

E aqui temos nossa primeira grande lição sobre comunicação: ela vai muito além das palavras. 

O aedo não apenas contava uma história - ele gesticulava, mudava o tom de voz, fazia pausas dramáticas. A comunicação sempre foi um espetáculo multissensorial.

Mas nem sempre a comunicação flui naturalmente, e ao longo da história, vimos inúmeras tentativas de controlá-la e cerceá-la. 

Em 213 a.C., o imperador chinês Qin Shi Huang ordenou a queima de todos os livros que não fossem sobre medicina, agricultura ou profecias - um dos primeiros registros históricos de censura em massa. Era o medo do poder das ideias em ação.

Quando os portugueses chegaram ao Brasil em 1500, se depararam com um desafio e tanto: como se comunicar com povos que falavam línguas completamente diferentes? 

É fascinante pensar que, mesmo sem compartilhar uma única palavra, esses grupos conseguiram (ainda que não sem conflitos) estabelecer formas de comunicação.

E por falar em comunicação universal, você sabia que existe uma figura que consegue se comunicar em praticamente qualquer cultura? 

O palhaço, ou mais amplamente, o comediante. 

Da figura do bobo da corte medieval (século XII ao XVII) aos comediantes de stand-up modernos, o humor sempre foi uma linguagem universal capaz de transcender barreiras culturais e sociais.

O bobo da corte, inclusive, merece um parágrafo especial. 

Em uma época em que criticar o rei poderia custar a cabeça de alguém, ele era o único que tinha permissão para dizer verdades inconvenientes - desde que fosse em forma de piada. A história nos ensina que o humor não é apenas entretenimento, mas uma poderosa ferramenta de comunicação e crítica social.

Em 1440, Gutenberg revolucionou tudo com sua prensa móvel. De repente, o conhecimento não precisava mais ser memorizado e transmitido oralmente - podia ser registrado e multiplicado. 

Foi como se a humanidade tivesse descoberto um "ctrl+c, ctrl+v" medieval. A democratização do conhecimento começou ali.

Mas onde há poder na comunicação, há tentativas de controlá-la. 

Na Alemanha nazista de 1933, assistimos a uma das mais infames queimas de livros da história, com mais de 25.000 volumes considerados "não-alemães" sendo destruídos em praça pública. 

Na União Soviética de Stalin (1922-1953), o controle estatal sobre a mídia era tão absoluto que a própria história era reescrita regularmente para se adequar à narrativa oficial.

Independentemente das intenções de seu uso, as revoluções tecnológicas permitiram grandes saltos: 

  • O telégrafo (1844) permitiu que mensagens atravessassem continentes em questão de minutos, não de meses. 

  • O rádio (1890s) trouxe as vozes do mundo para dentro das casas - embora também tenha sido usado como ferramenta de propaganda por regimes totalitários, como vimos com o famoso programa "A Voz da Alemanha" durante o regime nazista. 

  • O telefone (1876) permitiu conversas em tempo real a quilômetros de distância. 

  • A televisão (1920s) adicionou imagens ao som, transformando-se tanto em ferramenta de entretenimento quanto de controle social.

E agora? 

Bem, agora estamos em 2024, conversando com inteligências artificiais como se fosse a coisa mais natural do mundo. É incrível e assustador ao mesmo tempo, não é? 

Por um lado, temos uma capacidade de comunicação e produtividade sem precedentes. Por outro, enfrentamos novos desafios: desinformação em massa, manipulação algorítmica, bolhas de filtro que limitam nossa exposição a diferentes pontos de vista.

Você já reparou como às vezes é mais fácil mandar um emoji do que expressar realmente o que estamos sentindo? Ou como preferimos terceirizar nossa capacidade de expressão para algoritmos e IAs? 

É como se estivéssemos ganhando em quantidade mas perdendo em qualidade.

Não me entenda mal - sou um entusiasta da tecnologia e acredito que ela pode potencializar nossa capacidade de comunicação de formas maravilhosas. Mas também acredito que precisamos manter viva aquela comunicação profunda, autêntica e multissensorial que nossos ancestrais praticavam ao redor da fogueira.

Afinal, seja através de pinturas rupestres de 40.000 anos atrás, épicos gregos do século VIII a.C., prensas móveis do século XV ou inteligência artificial do século XXI, o que sempre moveu a comunicação humana foi nossa necessidade fundamental de conexão, de compreensão, de pertencimento.

A tecnologia muda, mas nossa essência comunicativa permanece a mesma.

Então, da próxima vez que você for mandar aquela mensagem no WhatsApp ou pedir para uma IA escrever aquele e-mail importante, faça uma pausa e reflita: será que não está na hora de resgatar um pouco daquela comunicação ancestral, olho no olho, coração a coração?

Um abraço, 

Eumismo