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A Arte Perdida da Elegância
Por que seu talento e competência podem não ser suficientes?
João cresceu dentro da Metalúrgica Santos & Filhos.
Começou aos 18 anos como auxiliar de produção, empurrando carrinho de peças pelo chão de fábrica.
Sua dedicação logo chamou a atenção dos supervisores - ele não apenas fazia seu trabalho com precisão, mas também sugeria melhorias nos processos, estudava os manuais técnicos e se oferecia para cobrir os colegas quando necessário.
Em cinco anos, já era supervisor de linha.
Em suas noites, João cursava engenharia de produção. Seus relatórios eram exemplares, suas equipes batiam recordes de produtividade, e o mais impressionante: seus funcionários o adoravam.
João tinha aquele dom raro de exigir excelência sem perder a humanidade.
Quando surgiu a vaga de gerente de produção, ninguém se surpreendeu ao vê-lo assumir o cargo.
João continuou sua jornada de desenvolvimento: fez MBA, aprendeu inglês e mandarim (a empresa tinha negócios com a China), especializou-se em gestão de projetos e liderança. Suas apresentações nos eventos corporativos eram sempre elogiadas pela clareza e pelo domínio técnico.
Em quinze anos de empresa, João havia passado por praticamente todas as áreas: produção, qualidade, desenvolvimento de produtos, gestão de pessoas.
Conhecia cada parafuso, cada processo, cada funcionário pelo nome. Era o retrato vivo do profissional que cresceu por mérito, que construiu sua carreira degrau por degrau.
Quando o diretor geral anunciou sua aposentadoria, o nome de João era dado como certo para a sucessão. Afinal, quem melhor que ele para liderar a empresa? Quem conhecia melhor os processos, as pessoas, os desafios?
Mas João não foi escolhido.
A notícia caiu como uma bomba no dia em que anunciaram que um executivo de fora assumiria a posição.
Nos corredores, a explicação extraoficial circulava em sussurros:
"João é excelente, mas... falta elegância. Ele não saberia se portar em um jantar com investidores estrangeiros. Não tem... você sabe... aquele refinamento."
A história de João nos faz questionar: o que é realmente a elegância? Seria apenas uma questão de saber qual garfo usar em um jantar formal ou de conhecer as regras de etiqueta em um evento social? Ou existe algo mais profundo, mais essencial nesse conceito que pode definir o destino de uma carreira - e de uma vida?
Enquanto observo o movimento frenético da cidade, reflito sobre como a elegância parece ter se tornado simultaneamente mais importante e mais rara em nossos dias.
Não falo apenas da elegância estética - embora essa também pareça estar em declínio - mas de algo mais fundamental: a elegância como uma forma de estar no mundo.
A elegância, em sua essência mais pura, é a arte de fazer o complexo parecer simples.
É aquele movimento preciso que resolve um problema sem alarde.
É a palavra certa dita no momento exato.
É a gentileza que flui naturalmente, sem expectativa de retorno.
É saber ocupar espaços sem parecer deslocado ou impositivo.
Pense em uma bailarina executando um movimento aparentemente sem esforço, quando sabemos que por trás daquela simplicidade existem anos de prática disciplinada.
Ou no matemático que resolve um problema complexo com uma equação surpreendentemente simples.
Ou ainda no diplomata que resolve uma situação tensa com uma única frase bem colocada.
Em todos esses casos, a elegância se manifesta como uma forma de economia - não de recursos materiais, mas de gestos, de palavras, de ações.
É fazer exatamente o necessário, nem mais, nem menos.
É a ausência do supérfluo, a presença apenas do essencial.
Mas seria a elegância um dom natural ou uma habilidade que pode ser cultivada?
A história está repleta de exemplos de pessoas que, vindas das origens mais humildes, desenvolveram uma elegância natural que as permitiu transitar por diferentes ambientes sociais com graça e desenvoltura.
Nelson Mandela, por exemplo, desenvolveu durante seus 27 anos de prisão uma elegância que impressionava tanto seus carcereiros quanto líderes mundiais.
Não era uma questão de etiqueta aprendida em manuais, mas de uma dignidade interior que se manifestava em cada gesto, em cada palavra.
É interessante notar como a própria noção de elegância varia drasticamente entre diferentes culturas.
No Japão, por exemplo, a elegância está intrinsecamente ligada ao conceito de "ma" - o espaço vazio entre as coisas, o silêncio entre as palavras, a pausa entre os gestos.
Na cultura árabe, a elegância se manifesta através da hospitalidade elaborada e da generosidade abundante.
Na França, berço do que muitos consideram a elegância clássica ocidental, o conceito está mais ligado à discrição e ao refinamento sutil.
Essas diferenças culturais nos revelam algo importante: a elegância é, em grande parte, uma construção social.
O que é considerado elegante em um contexto pode ser visto como afetado ou até rude em outro. No entanto, existe um fio condutor que perpassa todas essas interpretações culturais: a ideia de harmonia, de adequação, de equilíbrio.
A relação entre elegância e poder também merece nossa atenção.
Historicamente, a elegância sempre foi uma forma de capital social, uma moeda de troca nos círculos de poder. Como vimos na história de João, ela pode ser um fator decisivo em ambientes corporativos.
Não por acaso, consultores de imagem e coaches de presença executiva se tornaram figuras indispensáveis no mundo dos negócios.
No entanto, a era digital trouxe novos desafios para o conceito tradicional de elegância.
Como manter a compostura em um mundo de stories e tweets?
Como traduzir a elegância para as videochamadas e reuniões virtuais?
Como preservar a dignidade quando tudo parece exigir exposição constante e reações imediatas?
As redes sociais, em particular, parecem ter criado um novo código de conduta que frequentemente se choca com os preceitos tradicionais da elegância. O imediatismo, a busca por likes, a necessidade de se destacar a qualquer custo - tudo isso parece conspirar contra aquela economia de gestos que caracteriza a verdadeira elegância.
Mas talvez seja justamente nesses ambientes digitais que precisamos, mais do que nunca, resgatar e reinventar a elegância. Algumas sugestões práticas para cultivar a elegância no mundo contemporâneo:
1. Pratique a escuta digital: Antes de reagir a uma provocação online, faça uma pausa. A elegância digital pode começar pelo simples ato de não alimentar conflitos desnecessários.
2. Cultive o tempo: Em um mundo que valoriza a resposta instantânea, seja a pessoa que se permite refletir antes de responder. A pressa raramente é elegante.
3. Domine a arte da presença: Seja em uma reunião virtual ou presencial, pratique a atenção plena. Nada é menos elegante que a distração constante.
4. Aprenda a calibrar: A elegância contemporânea está muito ligada à capacidade de adaptar seu comportamento ao contexto. Seja versátil sem perder sua essência.
5. Invista em autoconhecimento: A verdadeira elegância nasce de uma profunda compreensão de si mesmo. Quanto mais você se conhece, mais naturalmente fluem seus gestos e palavras.
6. Cultive a empatia: A elegância não é sobre você, mas sobre como você faz os outros se sentirem. Desenvolva a sensibilidade para ler o ambiente e as pessoas.
7. Simplifique: Em um mundo de excessos, a simplicidade é revolucionária. Aprenda a dizer muito com pouco.
Vivemos em uma época que parece valorizar o oposto da elegância. O excesso virou norma. Gritos substituíram argumentos. Quantidade se sobrepôs à qualidade. A pressa engoliu a paciência. As redes sociais nos empurram para uma cultura do espetáculo, onde ser notado parece mais importante que ser respeitado.
A verdadeira elegância é uma forma de presença consciente no mundo.
É estar verdadeiramente presente em cada momento, em cada interação, em cada gesto. É a capacidade de fazer os outros se sentirem confortáveis em sua presença, independentemente do contexto social.
Ela se manifesta nos pequenos detalhes: na forma como ouvimos sem interromper, como discordamos sem agredir, como ajudamos sem humilhar.
É aquele colega que sabe elogiar sem bajular, criticar sem diminuir, liderar sem oprimir.
A elegância não exige riqueza ou status social. Ela pede apenas atenção, intenção e respeito - por si mesmo e pelos outros.
É tão elegante o jardineiro que cuida com amor de suas plantas quanto o maestro que rege uma orquestra com precisão e paixão.
Em um mundo cada vez mais ruidoso e apressado, talvez a elegância seja nossa forma de resistência silenciosa. Uma maneira de dizer que ainda acreditamos na beleza dos pequenos gestos, na importância da gentileza, no poder da simplicidade.
Voltando à história de João: sua competência técnica e liderança eram inquestionáveis, mas o mundo corporativo - e a sociedade em geral - ainda valoriza muito essa camada adicional de refinamento que chamamos de elegância.
Não é justo?
Talvez não. Mas é uma realidade que precisamos reconhecer e, quem sabe, trabalhar para mudar.
A boa notícia é que a elegância pode ser cultivada. Não através de regras rígidas de etiqueta (embora essas também tenham seu lugar), mas através do desenvolvimento de uma sensibilidade ao contexto, de uma atenção aos outros, de um respeito genuíno pela dignidade de cada momento.
E você? Como cultiva a elegância em sua vida?
O que esse conceito significa para você em um mundo que parece ter esquecido seu valor? Como podemos recuperar essa arte perdida sem cair na armadilha do elitismo ou da superficialidade?
Um abraço,
Eumismo.
P.S.: Se esta reflexão ressoou com você, compartilhe suas próprias percepções sobre a elegância. Como você a encontra e a expressa em seu dia a dia? Como equilibra autenticidade e refinamento em diferentes contextos sociais?